Cães-guardiões: os melhores amigos dos humanos também protegem a natureza

Descubra o que fazem o Piko ou a Suzi, em Portugal, mas também muitos outros aliados de quatro patas que, por esse mundo fora, zelam pela vida selvagem.

equipas cinotécnicas da GNR
Os cães das equipas cinotécnicas da GNR farejam venenos usados nas zonas rurais contra lobos, raposas ou ginetas. Foto: Sociedade Portuguesa Para o Estudo das Aves

O uso de venenos para matar animais selvagens ou domésticos, embora seja um crime punível com pena de prisão, é uma prática comum em muitos países, incluindo em Portugal. Substâncias como a estricnina são usadas de forma ilegal para controlar predadores carnívoros como lobos, raposas, ginetas, matando ainda aves de rapina como águias e abutres.

O fenómeno afeta sobretudo as áreas rurais, pondo em risco a vida selvagem, os animais domésticos e também as pessoas.

Para ajudar a combater este flagelo, o LIFE Aegypius Return – projeto de conservação do abutre-preto (Aegypius monachus) em Portugal e no oeste de Espanha – conta com uma meia dúzia aliados de quatro patas especializados em farejar venenos antes que provoquem uma tragédia.

Quatro unidades cinotécnicas do Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) dedicam-se à deteção de venenos. Formadas por um militar da GNR e um cão, estas equipas estão sediadas em Lisboa, mas trabalham para todo o país, incluindo Açores de Madeira.

equipas cinotécnicas do SEPNA/GNR
Os pastores alemães estão entre as raças eleitas para integrarem as equipas cinotécnicas do SEPNA. Foto: Divulgação/GNR

Mais três cães concluíram recentemente o seu treino e foram integrados no Grupo de Intervenção Cinotécnica da GNR, dois dos quais baseados no distrito da Guarda. Pastores alemães e pastores belgas mallinois estão treinados para detetar substâncias tóxicas e são uma peça chave na luta pela erradicação do uso de venenos na natureza. Mas Piko, Xico, Yelo, Sam, Molly, Suzi e Gin estão longe de serem os únicos ao serviço da proteção da natureza.

Os novos protetores da vida selvagem

Os nossos melhores amigos têm já um longo currículo em missões humanitárias, desde a assistência a portadores de deficiências, ao pastoreio de gado, passando pelo resgate de pessoas em perigo. Há, no entanto, um novo campo em que os cães se estão a tornar num recurso cada vez mais popular entre investigadores e técnicos que trabalham na proteção e conservação da vida selvagem.

Usando o seu incrível olfato, os cães podem ser treinados para farejar plantas, sinais de vida selvagem ou venenos que escapam ao nosso nariz.

O seu focinho pode ser até 100 mil vezes mais apurado do que o dos humanos, conseguindo detetar cheiros em concentrações tão baixas como uma parte por trilião.

Com este superpoder, as tarefas que podem realizar são praticamente ilimitadas. O trunfo está agora a ser usado em várias frentes e em muitos países para proteger a natureza.

Com as crescentes pressões sobre o ambiente e muitas espécies em vias de extinção, os cães têm ajudado cada vez mais em projetos de conservação. Dos oceanos aos desertos, das florestas às zonas húmidas, eles encontram espécies raras, esquivas ou minúsculas em vastas paisagens, ajudam a fazer cumprir as leis ambientais, apoiam no controlo de espécies invasoras e muito mais.

Se ficou maravilhado com as proezas dos cães que zelam pela natureza em Portugal, vai certamente querer descobrir o que fazem também os seus outros companheiros por esse mundo fora. Destacamos cinco exemplos que são um orgulho para todos nós.

Slater, o farejador de petréis

Na paisagem vulcânica do Havai, Slater é tão perspicaz como um detetive. O seu faro tem sido precioso para encontrar as tocas do petrel-tempestade, uma ave marinha ameaçada de extinção.

O terreno acidentado é um obstáculo difícil de ultrapassar para os biólogos e ornitólogos que procuram fazer a monitorização da espécie. Slater, no entanto, é extremamente eficaz a localizar os esconderijos destas aves.

Cão guardião da natureza
Slater foi treinado para descobrir as tocas do petrel-tempestade no campo de Pōhakuloa, no Havai. Foto: Michelle Reynolds/Universidade Estatal do Colorado

Os investigadores contam ainda com outros parceiros de quatro patas. Nas zonas húmidas do Havai, cães treinados farejam carcaças de animais que representam um perigo para a propagação do botulismo aviário, doença fatal para as populações de aves da região.

Oddball, o melhor amigo dos pinguins-azuis

Middle Island, uma ilhota ligada por uma ponte de areia a Warrnambool, no sudoeste da Austrália, costumava ser um paraíso para os pinguins-azuis, a espécie mais pequena do mundo. Mas quando as raposas descobriram que podiam chegar à ilha na maré baixa, quase exterminaram a colónia. Em 2005, restavam menos de 10 aves.

Por essa altura, o agricultor Allan Marsh, já treinava pastores-maremmanos para protegerem as suas galinhas das raposas. A raça, aliás, já é bem conhecida, em Itália, de onde é originária, por defenderem o gado dos lobos e dos ursos.

Convencido de que podiam ser igualmente úteis na proteção da vida selvagem, Allan Marsh sugeriu às autoridades que os cães fossem treinados para vigiar as colónias de pinguins.

Pastores Maremmano
Os pastores-maremmano protegem colónias de pinguins-azuis em Middle Island, na Austrália. Foto: Island Penguin Project/ Warrnambool City Council

Oddball foi, em 2006, o primeiro pastor-maremmano com a missão de vigiar os pinguins durante a época de reprodução. A sua intervenção foi um sucesso e mais nenhuma ave caiu nas garras das raposas. A aliança perdura até hoje, com vários cães desta raça a manter as colónias em segurança, que conta atualmente com cerca de uma centena de pinguins.

Hilo, o labrador preto que fareja espécies invasoras

Com o nariz no chão, Hilo focinha as margens do lago Upper Kananaskis, em Alberta, no Canadá, à procura do minúsculo mexilhão-zebra. Cruzamento entre labrador e golden retriever, este empenhado zelador da natureza faz parte de uma equipa de três cães especialmente treinados para inspecionar cursos de água e embarcações à procura desta espécie invasora.

Cães protegem os rios do Canadá
Hilo e os seus companheiros de quatro patas são grandes aliados das equipas de proteção da natureza da província de Alberta, no Canadá. Foto: Parks Canada Agency

Para Hilo e os seus dois companheiros caninos, detetar mexilhões-zebras é um jogo divertido, mas a espécie é uma das maiores ameaças à biodiversidade, na província de Alberta. Embora com apenas dois centímetros, multiplicam-se rapidamente, superando as espécies nativas.

Cães pastores defendem a chita

Na Namíbia, os cães desempenham um papel central na sobrevivência da chita. Entre 1980 e 1990, o Fundo de Conservação das Chitas estima que sete mil chitas foram mortas por agricultores que as responsabilizam pelas perdas de gado.

Pastores de Kangal
Cerca de 700 pastores de Kangal vigiam o gado nas zonas rurais da Namíbia, evitando os ataques das chitas. Foto: Andrew Harrington/Cheetah Conservation Found

Num esforço para reduzir os conflitos entre os aldeões e os felinos, a organização recorreu a mais de 700 cães pastores de Kangal que vigiam explorações agrícolas de todo o país para proteger o gado contra os ataques destes predadores. O programa arrancou em 1994, com as perdas de gado a serem reduzidas entre 80% e 100% nos terrenos vigiados pelos cães pastores.

Resgatados das ruas para ajudar os cientistas

O grupo Working Dogs for Conservation, de Montana, nos Estados Unidos, treina cães para encontrar amostras de animais e plantas com o intuito de colaborar em diversas investigações científicas. Os animais são resgatados da rua ou de canis e treinados para procurar rastos, matéria fecal, entre outros vestígios biológicos de espécies ameaçadas.

O seu trabalho é essencial para traçar mapas precisos das áreas onde os animais se deslocam na natureza. As amostras farejadas pelos cães são também examinadas em laboratório para complementar as investigações.

cão guardião da natureza
Zoey, resgatada da rua em 2017, dá o seu melhor para proteger pumas, linces e gatos selvagens. Foto: Working Dogs for Conservation

Os cães da organização participam em diferentes projetos, como a deteção de ervas nocivas, em colaboração com a Universidade de Montana, na procura de caracóis invasores, no Havai, ou ainda viajando por todo o país para ajudar na conservação de diversas espécies de tartarugas terrestres e aquáticas.

Referências da notícia

Sequeira, I. Casos suspeitos de envenenamento mataram 61 animais selvagens desde 2021. Wilder (2024).

Reynolds M. H., Johnson, K. N., Schvaneveldt, E.R. Efficacy of detection canines for avian botulism surveillance and mitigation. Society For Conservation Biology (2021).

Maremma dogs and the Middle Island Project. Warrnambool City Council

When the nose, knows. The dog squad sniffing out invasive species. Parks Canada Agency

Livestock Guarding Dog Program. Cheetah Conservation Found

Our Dogs. Working Dogs for Conservation