Boas notícias! Os casais de abutre-preto triplicaram em dois anos em Portugal
O balanço de 2024, do programa LIFE Aegypius, mostra que a espécie está a recuperar, mas continua em perigo de extinção. Caçadores, criadores de gado e agricultores desempenham um papel essencial na sobrevivência da maior ave da rapina da Europa.
Seriamente ameaçado, em Portugal, o abutre-preto (Aegypius monachus) esteve, durante os últimos dois anos, sob a vigilância apertada de um programa nacional de conservação. Em 2022, a Volture Conservation Foundation colocou no terreno o projeto LIFE Aegypius. Financiado pela União Europeia, a iniciativa é apoiada pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, contando ainda com a colaboração de ONG como a Rewilding Portugal ou a Quercus.
A espécie foi monitorizada, a população local sensibilizada para a sua proteção, e as aves, quando feridas, tratadas em cativeiro e devolvidas à Natureza. Os esforços foram finalmente recompensados. Há dois anos, os casais que podiam ser vistos a sobrevoar os céus do território nacional eram apenas 40.
Os resultados mostram que os objetivos foram largamente ultrapassados. A duplicação da espécie estava apenas prevista para 2027, data do fim do projeto, mas o seu número triplicou em dois anos. Em 2023, quando foram contabilizados entre 78 e 81 casais nidificantes, o balanço já era animador. O aumento, no entanto, foi encarado com prudência e considerado como um possível reflexo do esforço de monitorização.
A incerteza pairava ainda no ar, mas a contagem de 2024 trouxe alguma confiança de que o acréscimo se deve à expansão natural da espécie e é uma clara consequência das medidas de conservação que têm vindo a ser aplicadas. São boas notícias, mas é cedo para cantar vitória. O abutre-preto continua demasiado exposto aos perigos e há um longo caminho ainda a percorrer.
Expectativas para os próximos anos
Será, por enquanto, arriscado prever que, em 2028, a ave possa entrar na categoria “vulnerável”. A manter-se esta evolução, era o expectável, mas os técnicos envolvidos no projeto advertem que há demasiadas variáveis que não podem ser controladas. Basta um incêndio, uma grande tempestade ou qualquer outro evento que provoque um desequilíbrio acentuado nos habitats para todo o trabalho cair por terra.
É preciso ter ainda em conta a taxa de sobrevivência, um indicador que também melhorou em 2024, alcançado 51%. As cinco colónias do país registaram 48-49 crias que conseguiram ultrapassar o período mais crítico e se tornaram independentes.
Dado o achado tardio, a contagem das aves, neste local em particular, é ainda provisória, entre um e cinco casais e, pelo menos, uma cria. Vidigueira é a agora a quinta colónia de abutres-pretos em Portugal e que se junta às restantes localizadas no Douro Internacional, na fronteira com Espanha, na Serra da Malcata, na Beira Interior, no Tejo Internacional, entre Castelo Branco e Idanha-a-Nova, e na Herdade da Contenda, no Alentejo.
A colónia do Douro Internacional, a mais isolada, passou de três para oito casais nidificantes e expandiu-se para lá da fronteira, sendo também monitorizada pelos técnicos espanhóis.
Na Serra da Malcata o número de casais passou de quatro, em 2021, para 14, em 2023, e para 18 este ano. No Tejo Internacional, onde se encontra a mais antiga colónia (dois casais em 2010), foram monitorizados entre 61 e 64 casais, que tiveram este ano entre 24 e 25 crias. Destes casais, um quarto assentou arraiais em terras espanholas.
A Herdade da Contenda, no município de Moura, conta atualmente com 20-21 casais. Na Vidigueira, distrito de Beja, há cinco ninhos confirmados, mas falta ainda apurar o número total de crias. O projeto, que termina em dezembro de 2027, prevê ainda a monitorização do abutre-preto em zonas protegidas de Espanha, onde foram registados este ano 153 casais.
Mais medidas de proteção nos próximos meses
O balanço de 2024 está feito, mas o trabalho é para continuar. Duas novas medidas vão ser postas em prática já nos meses que se seguem para assegurar que o abutre-preto não volta a desaparecer do país, enquanto espécie nidificante, como aconteceu na década de 1970.
Com a colaboração de criadores de gado e agricultores, o projeto irá criar campos de alimentação para a espécie, com vigilância sanitária implementada. A estratégia também inclui o setor da caça, que irá apoiar a transição para o uso de munições sem chumbo.
As munições sem chumbo vão ser, como tal, gratuitamente disponibilizadas para acelerar o processo. Sendo aves necrófagas, de resto, os abutres aguentam tudo, carne em avançado estado de decomposição, raiva e todo o tipo de bactérias que provocam infeções mortais em qualquer outro animal.
Uma espécie (quase) invencível
O superpoder do abutre para resistir a quase todas as doenças está no suco gástrico produzido pelo aparelho digestivo. Chega a ser até mil vezes mais ácido do que o nosso, dissolvendo cerca de 60% das toxinas ingeridas. Tudo o que escapa à lavagem gástrica é depois eficazmente combatido por um sistema imunológico à prova de bala.
As bactérias agarradas às penas, no entanto, poderiam ser um problema para os outros animais em contacto com os abutres. Mas é precisamente por isso que as aves são carecas. Conseguindo enfiar a cabeça nas carcaças sem contaminar as penas, anulam o perigo de espalhar doenças. Além disso, ao urinarem sobre os pés, o ácido úrico trata de desinfetar tudo à sua volta, tornando-os inofensivos para o meio ambiente.
Não fossem as alterações climáticas e a atividade humana, o abutre seria praticamente invencível. Além do chumbo das munições da caça, os fármacos, em especial os antibióticos, usados na pecuária, podem enfraquecer o seu sistema imunológico e serem fatais para uma espécie vital no equilíbrio do ecossistema das zonas rurais.