Arquitetura vernacular: o passado como resposta sustentável para o futuro dos climas com temperaturas mais elevadas

Numa viagem pelas temperaturas elevadas de alguns dos lugares mais quentes do mundo, o The Washigton Post revelou que as casas em locais áridos podem prescindir do ar condicionado graças aos princípios básicos do arrefecimento passivo.

aldeia hassan fathy
Vestígios da aldeia de Hassan Fathy em New Gourna, localizada na margem ocidental do rio Nilo, em frente à moderna cidade de Luxor, no Egito.

Alguns dos lugares mais quentes dos mundos, têm vindo a prescindir da utilização de ar condicionado, embora sigam princípios arquitetónicos ancestrais, o que se revela um facto curioso.

Num destes lugares, New Gourna, uma aldeia no deserto egípcio, o arquiteto Hassan Fathy foi além das convenções modernistas, em 1945, ao conceber habitações sociais com base em técnicas tradicionais da Núbia. As paredes espessas de tijolo de barro, a ventilação e os elementos naturais como fontes em pátios otomanos são parte integrante do desenho das habitações, garantindo o conforto mesmo nos períodos com temperaturas muito elevadas. Melhor de tudo: este tipo de arquitetura contraria a dependência de sistemas de ar condicionado.

Uma herança arquitetónica em perigo: a urgência de preservar e revitalizar tecnologias vernaculares

A experiência de Fathy, em New Gourna, destaca a eficácia de tecnologias antigas de refrigeração passiva, utilizando os elementos básicos de terra, água e vento. Noutros lugares com temperaturas muito elevadas, como Diyarbakir, na Turquia, as casas com pátios e sistemas de refrigeração passiva são estudadas intensivamente por arquitetos e historiadores locais.

Estas técnicas, que incluem paredes de tijolo de barro, pátios verdes e fontes naturais, têm sido uma parte essencial da arquitetura local há milénios e muitas das quais voltam a demarcar-se nas tendências de construção e requalificação urbanística, sendo objeto de análise por formandos e recém-formados em áreas das ciências sociais e arquitetónicas.

No entanto, estas heranças arquitetónicas preciosas enfrentam sérias ameaças de conservação e preservação. Em New Gourna, as casas construídas por Fathy estão já em ruínas, e em Diyarbakir, a demolição após conflitos políticos ameaça apagar parte deste património histórico. A preservação destas estruturas torna-se, assim, essencial pelo seu valor cultural, bem como por oferecerem soluções sustentáveis para o futuro.

Para isso, os arquitetos contemporâneos, do Cairo à Califórnia, estão a iniciar a incorporação destas técnicas nos projetos em devir. No entanto, os desafios a enfrentar são muito significativos, como ultrapassar a dependência perante tecnologias modernas mais caras e a resistência daqueles acostumados aos sistemas convencionais. O estudo e a revitalização da sabedoria inerente aos sistemas vernaculares tornam-se iminentes e indispensáveis, especialmente quando algumas das casas mais avançadas em refrigeração passiva no Cairo estão ameaçadas pela degradação e negligência governamental.

Hassan Fathy, ao romper com o modernismo em prol de uma arquitetura sustentável, deixa uma mensagem urgente. A tecnologia tradicional não só oferece um caminho a seguir para climas mais quentes e áridos, mas também desafia a narrativa arquitetónica moderna. A preservação destas práticas, agora ameaçadas, é essencial para orientar os futuros arquitetos na direção perante soluções sensíveis às alterações climáticas, sem ignorar a herança cultural rica e diversa.

No entanto, a transição não é fácil. Enquanto tecnologias modernas e ocidentalizadas dominam o discurso arquitetónico em países como o Egito, a necessidade de repensar a abordagem perante as alterações climáticas, considerando a história e identidade, assume-se como basilar. A reinvenção do passado, aprendendo com as melhores práticas tradicionais, aparece como o caminho sensato para garantir um futuro sustentável.

O fascínio pelo moderno e o resgate da sabedoria da arquitetura vernacular

A prevalência da admiração pelo Dubai e o fascínio por um estilo de vida associado a privilégios e ao cosmopolitismo têm desviado a atenção das tradições incorporadas nas tecnologias da arquitetura vernacular. Enquanto o Dubai se destaca como uma utopia arquitetónica moderna, muitas vezes impulsionada por construções majestosas e contemporâneas, o risco é que as gerações emergentes de estudantes de arquitetura possam negligenciar práticas locais ricas e eficazes em prol de abordagens mais ocidentalizadas, muitas vezes associadas à construção verde e às tecnologias modernas.

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Apesar de conceitos como a eficiência energética, isolamento térmico e sistemas avançados de ventilação serem, de facto, fundamentais para enfrentar os desafios climáticos atuais, é igualmente crucial reconhecer-se e incorporar as tradições arquitetónicas locais, que historicamente demonstraram uma notável eficácia na capacidade de adaptação aos efeitos do calor extremo. A arquitetura vernacular do Egito, particularmente caracterizada por elementos como paredes espessas de tijolos de barro, ventilação natural, pátios ajardinados e técnicas de resfriamento passivo, é um exemplo de aplicação de soluções sustentáveis e eficientes e eficazes capazes de lidar com as condições climáticas rigorosas.

A reinvenção do passado, ao aprender com as melhores práticas que resistiram ao teste do tempo, ergue-se como um caminho criterioso para os arquitetos que procuram uma abordagem holística e culturalmente ciente. Em última análise, a arquitetura vernacular oferece uma solução para os desafios climáticos e uma oportunidade de preservação e celebração das tradições culturais. Num período cada vez mais afetado pelas alterações climáticas, a sabedoria do passado pode ser a chave para um futuro habitável.

Referência da notícia:P. Kennicott & S. Diab (2023). Climate Solutions: Ancient Elements of Cool. The Washington Post.