Aprisionados nas redes de pesca: descubra como a tecnologia pode ajudar os golfinhos a escapar à morte

A Comissão Europeia está a financiar soluções com inteligência artificial ou sinalizadores acústicos testadas em França e Itália, que podem vir a ser implementadas nas águas comunitárias.

Golfinho debaixo de água
O projeto DolphinFree está a testar, em França, soluções integradas nas redes de pesca que comunicam com os golfinhos. Imagem: Pixabay

Em todo o mundo, centenas de milhares de golfinhos morrem a cada ano em capturas involuntárias. Mas a espécie não é a única vítima deste flagelo. Estima-se que, a nível mundial, mais de 40% dos animais marinhos apanhados nas redes de pesca são acidentais, incluindo peixes juvenis, aves marinhas ou espécies protegidas como tartarugas e tubarões.

As redes de arrasto, usadas na pesca comercial, são particularmente problemáticas. Varrendo o fundo mar, os equipamentos capturam as espécies indiscriminadamente. Mas os acidentes acontecem com qualquer arte de pesca, seja nas redes de emalhar, de cerco ou na arte xávega.

Estas perdas tem um impacto negativo enorme não só para a biodiversidade como também para a subsistência dos pescadores confrontados todos os anos com restrições na sua atividade para proteger a vida marinha.

Os ensaios que vão ajudar os pescadores europeus

As tecnologias podem ajudar os pescadores a evitar capturas acidentais e é precisamente esse o objetivo de três projetos financiados pela União Europeia. DolphinFree e Marine Beacon, testados em águas francesas, ou ensaios com postes acústicos de amarração, em Itália, são algumas das soluções que, se forem bem-sucedidas, podem vir a ser implementadas em águas comunitárias.

Golfinhos
Na região do Golfo de Biscaia, os investigadores reproduziram a ecolocalização dos golfinhos para lançar alertas e afastar a espécie das redes de pesca. Imagem: Andreas/Pixabay

O projeto DolphinFree, coordenado pela associação de pescas France Filière Pêche, está a ser implementado no Golfo da Biscaia, uma das zonas mais críticas no oceano Atlântico. Estendendo-se desde a ponta da Bretanha, no oeste de França, até ao norte de Espanha, a região é considerada uma das mais ricas em biodiversidade da Europa e onde vivem cerca de 200 mil golfinhos.

Esta população, porém, encontra-se ameaçada, com milhares de espécimes encontradas durante o inverno sem vida nas praias da região. Estima-se que a mortalidade total por ano esteja entre os 4500 a 8500 golfinhos presos em material de pesca.

O projeto DolphinFree, no entanto, lançou uma abordagem pioneira que pode vir a ser uma resposta para evitar as capturas acidentais. Os equipamentos de pesca estão a ser apetrechados com um sinalizador acústico que recorre à ecolocalização para comunicar com os golfinhos.

O dispositivo emite sinais que imitam os padrões de eco utilizados pela espécie para navegar. A tecnologia reproduz a imagem acústica de um golfinho emaranhado e morto nas redes, lançando, assim, o alerta para o grupo se manter longe das embarcações.

Os primeiros testes feitos em finais de 2024 tiveram resultados promissores. Os golfinhos reagiram ao sinal e afastaram-se da zona. É um primeiro passo, mas ainda antes de a tecnologia ser adotada, será preciso testar o modelo numa escala mais alargada com navios de pesca profissional.

Durante a fase de testes, os pescadores propuseram reduzir o tamanho do sinalizador para facilitar a sua integração nos materiais de pesca e advertiram ainda para os inconvenientes de manutenções frequentes que a tecnologia exige. Os ensaios vão continuar até finais de 2026 em mais de 200 embarcações francesas com o intuito de aperfeiçoar o aparelho.

Redes de arrasto controladas por algoritmos

Na comuna de Lorient, também na região francesa da Bretanha, é a inteligência artificial que está no centro do projeto Marine Beacon. A iniciativa, liderada pelo instituto IFREMER utiliza redes de arrasto com câmaras subaquáticas e algoritmos de aprendizagem automática para identificar e classificar as capturas em tempo real.

O sistema consegue distinguir as espécies que não devem ser apanhadas nas redes, acionando uma rota de fuga automática para evitar as capturas acidentais Os investigadores acreditam que esta "seletividade ativa" pode levar a uma "mudança de paradigma" na forma como as operações de pesca são conduzidas.

Em testes de laboratório, a rede de arrasto inteligente demonstrou a sua capacidade para identificar as espécies de peixes através de uma gravação de vídeo e mecanismos que controlam um alçapão concebido para deixar sair ou manter as espécies na rede.

A etapa seguinte passa por adaptar a tecnologia para grandes navios comerciais. Será preciso assegurar que o sistema seja simultaneamente robusto - para resistir às condições adversas do mar - e com dimensões reduzidas para os pescadores poderem utilizá-lo nas suas operações diárias.

Pilares acústicos afugentam grandes predadores

Postes de amarração acústicos é outra a solução que está a ser testada em Terracina na região do Lácio em Itália. Nestas águas do Mediterrâneo, as redes de emalhar são predominantes entre os pescadores artesanais.

Durante a pesca, é comum os golfinhos atacarem os peixes capturados nas redes, acabando frequentemente enredados e afogados durante o processo.

Pesca artesanal
As redes de emalhar, usadas na pesca artesanal, também são perigosas para os golfinhos que atacam os peixes capturados. Foto: Quang Nguyen vinh/Pixabay

Para resolver este problema, a Organização de Produtores La Sirena de Terracina recorreu ao financiamento da União Europeia para testar a utilização de “pilares acústicos”.

Os postes de amarração emitem rajadas esporádicas de som subaquático para assustar os golfinhos e outros grandes predadores, afastando-os das embarcações e impedindo interações com os humanos.

O que se espera é que este modelo também possa reduzir a captura acidental de outros animais marinhos, ajudando também os pescadores a manter a pesca sustentável.

Referências da notícia

Observatoire Pelagis CNRS. By-catch: a tragic reality

Marine Beacon. Monitoring and Elimination of Bycatch of Endangered & Conserved Species in the NE & High Seas Atlantic Region

Directorate-General for Maritime Affairs and Fisheries. A sound solution to prevent accidental dolphin catches in the Mediterranean.