Água filtrada do ar: a inovação que mata a sede nas zonas áridas e remotas do planeta

Os geradores de água atmosférica começam a ser encarados como soluções inovadoras para combater a emergência hídrica. Conheça alguns dos projetos pioneiros que estão a fazer a diferença nas regiões com grande escassez de água.

árvore no deserto
A tecnologia atual já é capaz retirar vários milhares de litros de água da atmosfera, mesmo em regiões mais secas. Foto: Brent Olson/Pixabay

Com somente 2,5% de água doce na Terra, o seu acesso será sempre um luxo para uma grande parte da população. Não deixa de surpreender, por isso, a quantidade de água presente na atmosfera, seis vezes superior à encontrada em todos os rios do planeta.

O problema é que, até há pouco tempo, a produção de água a partir do ar era dispendiosa, intensiva em energia e ineficiente. Mas a tecnologia tem evoluído na última década, abrindo novas possibilidades para um mundo, que, enfrentando os efeitos das alterações climáticas, se encontra à beira de uma emergência hídrica.

Estima-se que 12.800 triliões de litros de água renovável estejam disponíveis na atmosfera, principalmente sob a forma de vapores, podendo ser extraídos através da tecnologia de geração de água atmosférica (AWG, sigla em inglês).

Diante de 770 milhões de pessoas sem acesso a água potável, esta solução surge como uma esperança para praticamente um em cada dez habitantes do planeta. E a carência só irá agravar-se, estimando as Nações Unidas que, já em 2025, dois terços da população mundial venham a enfrentar a escassez de água.

O ciclo de água aplicado à tecnologia

A beleza desta nova tecnologia é que se rege pelos princípios mais elementares do ciclo de água. O gerador recorre a um sortido de sais para absorver e reter a humidade do ar. Ao ser aquecido, o vapor libertado do sal húmido é condensado e direcionado para filtros que retêm e armazenam a água.

A grande vantagem deste método é a sua eficiência energética bastante superior às tecnologias anteriores.

Graças a esta alquimia, a comunidade de Hard Rock, no território indígena de Nação Navajo, no estado americano do Arizona, obtém aproximadamente 200 galões (757 litros) de água potável por dia.

A solução usada no projeto piloto aspira o ar, valendo-se de uma série de filtros para remover detritos e poeiras. O ar limpo atravessa de seguida um processo de calor e arrefecimento, criando condensação e dando origem à água.

Cavalos no Arizona
O piloto implementado na reserva Nação Navajo, no Arizona, permite obter 700 litros de água potável por dia. Foto: Steen Jepsen/Pixabay

A tecnologia de geração de água atmosférica foi também instalada em torno de parques e praias em Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos, para fornecer água potável aos seus visitantes.

Há vários outros pilotos em curso a despertar o interesse de muitas regiões do mundo, como é o caso de Bangalore, no Sul da Índia, onde um gerador atmosférico da startup Uravu Labs produz atualmente quatro mil litros de água potável por dia.

O céu carregado de rios invisíveis

Há, no entanto, muito mais água que poderia vir a ser aproveitada nesta região. O ar que ali se respira é praticamente um rio transbordante, embora indetetável aos nossos olhos.

Swapnil Shrivastav, cofundador da Uravu Labs acredita que existem em média dois mil milhões de litros de água em 100 metros da coluna de ar de Bangalore num determinado momento, valor calculado com base na média de humidade absoluta da cidade.

A eficiência destes geradores de água não é igual em todas as condições atmosféricas. Para aproveitar a capacidade máxima destas máquinas, as temperaturas devem estar acima de zero graus e a humidade superior a 40%. Em condições ideais, aliás, um aparelho com esta tecnologia pode produzir até 10 mil litros por dia.

Esperança em terras áridas

No Kakuma-Kalobeyei, um dos maiores campos de refugiados de África, no distrito queniano de Turkana, o dispositivo da startup Majik Water não chega nem de longe a esse valor. Ainda assim, o aparelho, montado em inícios de 2024, produz uma quantidade impressionante de 500 litros de água por dia.

O objetivo, porém, é instalar, nos anos que se seguem, outros dez geradores com capacidade idêntica para abastecer uma população que ultrapassa as 100 mil pessoas.

Diante destes casos pioneiros, não será difícil imaginar o enorme potencial desta tecnologia. Teremos ainda de esperar que ganhe escala e possa chegar a muitos mais lugares.

campo de refugiados de Kakuma-Kalobeyei
No campo de refugiados de Kakuma-Kalobeyei, no Quénia, cada gerador atmosférico de água da startup Majik Water produz 500 litros de água por dia. Foto: Axel Fassio/CIFOR-ICRAF

O certo é que os especialistas estão convencidos de que os geradores atmosféricos de água poderão vir a ser a resposta mais engenhosa para saciar a sede de tantos milhões a viver em regiões áridas, isoladas e esquecidas do Planeta.

Referências do artigo

Water is in the air. Programa das Nações Unidas Para o Meio Ambiente (2024).

Ahmada, F. F., Ghenai, C., Bourgon, M., et al. Performance analysis of atmospheric water generator under hot and humid climate conditions: Drinkable water production and system energy consumption. University of Sharjah, Sharjah, United Arab Emirates (2022).

Water to the people: a pathway through innovative technology and public-private partnerships. Fórum Económico Mundial (2024).

Watergen technology installed in Navajo Nation Water Project. Filtration and Separation. (2021).

Menon, A. Innovative air-to-water tech using liquid desiccant makes affordable, renewable water. Mongabay (2024).

Worland, J. The Kenyan Entrepreneur Working to Generate Clean Water From Thin Air. Time Magazine (2024).