Açudes, diques e represas estão a ser retirados dos rios portugueses. Por que é isso tão importante?
A ANP | WWF está a remover barreiras fluviais obsoletas dos cursos de água, em Portugal, restaurando o habitat de várias espécies, como rãs, enguias, bogas, linces ou lontras.
Ao longo do último século, assistimos em Portugal a uma crescente instalação de barreiras fluviais. Pequenos açudes, diques e represas foram surgindo nos rios portugueses, retendo e desviando a água para abastecer as populações e assegurar a rega na agricultura.
Com a construção de barragens cada vez maiores, o número dessas estruturas também foi aumentando, sobretudo nos últimos 50 anos. Mas boa parte destes sistemas hidráulicos acabou por ficar obsoleto com o tempo, não tendo hoje qualquer utilidade. A sua proliferação, no entanto, tem graves consequências para o funcionamento dos ecossistemas ribeirinhos.
Os peixes estão entre os grupos mais afetados, sendo estas construções grandes obstáculos aos seus movimentos de dispersão e migração ao longo dos rios. Mas há muitas outras espécies também ameaçadas, como linces, lontras ou rãs, só para referir alguns exemplos.
Este é, aliás, o motivo por que, nos países da União Europeia, a implementação da Estratégia para a Biodiversidade inclui o objetivo de reconectar 25 mil quilómetros de rios até 2030, cabendo a Portugal libertar cerca de 600 km de rios.
Restaurar os habitats ribeirinhos
Enquanto vários estados-membros, como Espanha e França, já demoliram centenas de barreiras fluviais obsoletas, em Portugal há ainda um bom caminho a percorrer. A primeira construção a ser removida dos rios portugueses aconteceu apenas em 2023, com a demolição do açude de Galaxes, em Alcoutim.
A operação resultou de uma parceria entre a Associação Natureza Portugal/ World Wide Fund for Nature (ANP| WWF) e a câmara municipal, permitindo restaurar a conectividade de 7,7 km da ribeira de Odeleite (bacia do Rio Guadiana) essenciais para a conservação de diversas espécies de peixes.
Com o apoio do European Open Rivers Programme, organização que atribui fundos dedicados à remoção de barreiras obsoletas em rios europeus, a ANP|WWF tem vindo a criar parcerias com as autoridades e associações locais com vista a acelerar o restauro dos ecossistemas fluviais.
Em setembro de 2024, foi a vez de retirar o açude de Perofilho, na bacia do rio Tejo. A operação contou com o apoio do município de Santarém e da associação SOS Animal e os trabalhos possibilitaram o restauro da conectividade fluvial da ribeira.
O impacto foi, desde logo, a melhoria das condições de habitat de várias espécies nativas ameaçadas, como a boga-portuguesa, a enguia europeia, a rã-de-focinho-pontiagudo e até a lontra, que foi algumas vezes avistada na proximidade deste açude. Em paralelo, estão também a serem desenvolvidos estudos preparatórios nos rios Sabor, Sousa e Vascão para identificar barreiras que possam vir a ser removidas.
A eliminação desta barreira vai permitir restaurar 2,34 km desta ribeira, contribuindo para melhorar a vegetação à beira da água e o habitat para espécies nativas ameaçadas de extinção. É o caso da enguia europeia (Anguilla anguilla) ou do mexilhão-de-rio-do-sul (Unio tumidiformis).
O regresso de espécies nativas
A ribeira de Oeiras é ainda um santuário para mamíferos como o lince ibérico e a lontra. E o que se espera é que a recuperação do curso fluvial possa criar condições para o regresso de outros peixes que desapareceram deste ecossistema, como por exemplo o caboz-de-água-doce (Salariopsis fluviatilis) ou a lampreia marinha (Petromyzon marinus).
O projeto não se esgota restauro da ligação da ribeira, incluindo também a monitorização das comunidades de peixes e mexilhões de água doce e a avaliação da qualidade de água que é essencial para assegurar a biodiversidade após a remoção do açude.
A expectativa é que esta operação possa abrir caminho para o restauro total da conectividade da ribeira de Oeiras, que se estende ao longo de 143,3 km. A ANP|WWF está, como tal, a estudar nove barreiras já identificadas, com o intuito de libertar todo o seu curso fluvial, contribuindo para melhorar o seu estado ecológico e promover a conservação da biodiversidade.
Referências do artigo
ANP|WWF. ANP| WWF vai remover barreira fluvial obsoleta no Alentejo. natureza-portugal.org (2024)
ANP| WWF. Remoção de barreiras fluviais. natureza-portugal.org (2023)