Açudes, diques e represas estão a ser retirados dos rios portugueses. Por que é isso tão importante?

A ANP | WWF está a remover barreiras fluviais obsoletas dos cursos de água, em Portugal, restaurando o habitat de várias espécies, como rãs, enguias, bogas, linces ou lontras.

Ribeira de Odeleite, em Alcoutim
A primeira barreira fluvial a ser removida dos rios portugueses aconteceu em 2023, com a demolição do açude de Galaxes, na Ribeira de Odeleite, em Alcoutim. Foto: ANP| WWF

Ao longo do último século, assistimos em Portugal a uma crescente instalação de barreiras fluviais. Pequenos açudes, diques e represas foram surgindo nos rios portugueses, retendo e desviando a água para abastecer as populações e assegurar a rega na agricultura.

Com a construção de barragens cada vez maiores, o número dessas estruturas também foi aumentando, sobretudo nos últimos 50 anos. Mas boa parte destes sistemas hidráulicos acabou por ficar obsoleto com o tempo, não tendo hoje qualquer utilidade. A sua proliferação, no entanto, tem graves consequências para o funcionamento dos ecossistemas ribeirinhos.

Estima-se que desde a década de 1970, essas infraestruturas tenham contribuído para um declínio superior a 80% da biodiversidade a nível mundial.

Os peixes estão entre os grupos mais afetados, sendo estas construções grandes obstáculos aos seus movimentos de dispersão e migração ao longo dos rios. Mas há muitas outras espécies também ameaçadas, como linces, lontras ou rãs, só para referir alguns exemplos.

Demolição de barreiras fluviais
Até 2030, os países da União Europeia têm de reconectar 25 mil km de rios, cabendo a Portugal libertar cerca de 600 km de rios. Foto: ANP| WWF

Este é, aliás, o motivo por que, nos países da União Europeia, a implementação da Estratégia para a Biodiversidade inclui o objetivo de reconectar 25 mil quilómetros de rios até 2030, cabendo a Portugal libertar cerca de 600 km de rios.

Restaurar os habitats ribeirinhos

Enquanto vários estados-membros, como Espanha e França, já demoliram centenas de barreiras fluviais obsoletas, em Portugal há ainda um bom caminho a percorrer. A primeira construção a ser removida dos rios portugueses aconteceu apenas em 2023, com a demolição do açude de Galaxes, em Alcoutim.

Ribeira de Oeiras, Mértola
A ANP|WWF irá avançar, em 2025, com a remoção do açude Horta do Fialho, na Ribeira de Oeiras, que nasce na Serra do Caldeirão e desagua no Guadiana, já em Mértola. Foto: ANP| WWF

A operação resultou de uma parceria entre a Associação Natureza Portugal/ World Wide Fund for Nature (ANP| WWF) e a câmara municipal, permitindo restaurar a conectividade de 7,7 km da ribeira de Odeleite (bacia do Rio Guadiana) essenciais para a conservação de diversas espécies de peixes.

Embora o arranque tenha acontecido mais tarde do que noutros países europeus, a boa notícia é que estão previstas várias demolições e estudos para mapear barreiras fluviais obsoletas a serem eliminadas.

Com o apoio do European Open Rivers Programme, organização que atribui fundos dedicados à remoção de barreiras obsoletas em rios europeus, a ANP|WWF tem vindo a criar parcerias com as autoridades e associações locais com vista a acelerar o restauro dos ecossistemas fluviais.

Em setembro de 2024, foi a vez de retirar o açude de Perofilho, na bacia do rio Tejo. A operação contou com o apoio do município de Santarém e da associação SOS Animal e os trabalhos possibilitaram o restauro da conectividade fluvial da ribeira.

O impacto foi, desde logo, a melhoria das condições de habitat de várias espécies nativas ameaçadas, como a boga-portuguesa, a enguia europeia, a rã-de-focinho-pontiagudo e até a lontra, que foi algumas vezes avistada na proximidade deste açude. Em paralelo, estão também a serem desenvolvidos estudos preparatórios nos rios Sabor, Sousa e Vascão para identificar barreiras que possam vir a ser removidas.

Ainda durante o primeiro trimestre de 2025, a ANP|WWF espera avançar com a remoção do açude Horta do Fialho, localizado na ribeira de Oeiras - que nasce na Serra do Caldeirão e desagua no Guadiana, já em Mértola.

A eliminação desta barreira vai permitir restaurar 2,34 km desta ribeira, contribuindo para melhorar a vegetação à beira da água e o habitat para espécies nativas ameaçadas de extinção. É o caso da enguia europeia (Anguilla anguilla) ou do mexilhão-de-rio-do-sul (Unio tumidiformis).

O regresso de espécies nativas

A ribeira de Oeiras é ainda um santuário para mamíferos como o lince ibérico e a lontra. E o que se espera é que a recuperação do curso fluvial possa criar condições para o regresso de outros peixes que desapareceram deste ecossistema, como por exemplo o caboz-de-água-doce (Salariopsis fluviatilis) ou a lampreia marinha (Petromyzon marinus).

O projeto não se esgota restauro da ligação da ribeira, incluindo também a monitorização das comunidades de peixes e mexilhões de água doce e a avaliação da qualidade de água que é essencial para assegurar a biodiversidade após a remoção do açude.

montanhas dos Cárpatos, Ucrânia
O programa europeu Open Rivers arrancou no verão de 2022 na Ucrânia que, em plena guerra, removeu uma barragem nas montanhas dos Cárpatos, abrindo o rio para peixes migratórios pela primeira vez em 120 anos. Foto: WWF Ukraine

A expectativa é que esta operação possa abrir caminho para o restauro total da conectividade da ribeira de Oeiras, que se estende ao longo de 143,3 km. A ANP|WWF está, como tal, a estudar nove barreiras já identificadas, com o intuito de libertar todo o seu curso fluvial, contribuindo para melhorar o seu estado ecológico e promover a conservação da biodiversidade.

Referências do artigo

ANP|WWF. ANP| WWF vai remover barreira fluvial obsoleta no Alentejo. natureza-portugal.org (2024)

ANP| WWF. Remoção de barreiras fluviais. natureza-portugal.org (2023)