Acordo comercial UE-Mercosul pode arruinar a competitividade da produção de milho na Europa

A Confederação Europeia de Produtores de Milho está preocupada com a disparidade de regras na produção de milho entre os 27 Estados-membros da UE e os quatros países do Mercosul: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Milho
Na UE, a dimensão média das explorações de milho ronda os 30 hectares. O problema é que a União perdeu um milhão de hectares de plantação de milho nos últimos 20 anos, de acordo com a Confédération Européenne de la Production de Maïs.

O acordo comercial assinado a 6 de dezembro em Montevideu, capital do Uruguai, entre Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai para a criação de uma zona de comércio livre que abrange 780 milhões de pessoas, continua a gerar reações em vários países e em diversos setores de atividade.

Depois de os representantes dos setores do vinho, azeite e laticínios em Portugal terem vindo defender que este acordo comercial pode gerar novas oportunidades de exportação para os produtos portugueses, eis que os produtores de milho europeus mostram a sua apreensão em relação aos impactos negativos que esta nova dinâmica comercial pode gerar no seu setor.

Com a redução ou a eliminação das tarifas de importação e exportação de cereais entre os dois blocos, e sabendo-se que, nomeadamente a Argentina e o Brasil, são grandes potências produtoras de milho, a associação europeia de produtores de milho - Confédération Européenne de la Production de Maïs (CEPM, na sigla em francês) - está muito cética.

Num estudo económico divulgado na última semana, a CEPM faz notar que é imperioso que a União Europeia garanta, ao selar este acordo com os quatro países do Mercosul, as mesmas exigências de produção aos agricultores do Mercosul que aos produtores europeus. Se tal não suceder, diz a CEPM, o setor do milho pode sair “irremediavelmente penalizado” na sua competitividade.

Em Portugal, a CEPM tem como associada a ANPROMIS - Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo. Esta organização, a que preside Jorge Neves, assume a vice-presidência desta organização europeia que agrega 10 países da Europa e representa, aproximadamente, 90% da superfície de milho semeada na União Europeia, numa área total que ronda os 15 milhões de hectares.

O milho constitui, no nosso contexto agrícola, a mais importante cultura arvense, e é, destacadamente, a que mais explorações agrícolas envolve. Há mais de 75 mil unidades produtivas em Portugal, que ocupam cerca de 150 mil hectares de área cultivada, de Norte a Sul do país.

Milho
Em Portugal, a CEPM tem como associada a ANPROMIS - Associação Nacional dos Produtores de Milho e Sorgo, que assume a vice-presidência desta organização europeia que agrega 10 países.

Desta área total, nove milhões de hectares são dedicados ao milho para grão, seis milhões de hectares destinados ao milho de silagem para alimentação animal e 240 mil hectares destinados a outras produções cerealíferas.

UE perdeu um milhão de hectares

Na UE, a dimensão média das explorações de milho ronda os 30 hectares. O problema é que a União perdeu um milhão de hectares de plantação de milho nos últimos 20 anos, de acordo com os dados revelados na última semana pela CEPM.

A UE produz, em média, anualmente, 64 milhões de toneladas de milho, mas as importações deste cereal têm vindo a aumentar. Neste momento (2023), as importações estão quantificadas em cerca de 19,5 milhões de toneladas por ano. Aliás, uma em cada quatro toneladas de milho consumidas na UE é importada.

Por sua vez, no sul do continente americano só o Brasil e Argentina produzem 149 milhões de toneladas de milho todos os anos, das quais 61 milhões de toneladas são para exportação.

A grande questão é que 52% das substâncias ativas autorizadas no Brasil são proibidas na União Europeia. No total, das 178 substâncias ativas autorizadas para utilização na produção de milho no Brasil e Argentina, 92 estão proibidas na Europa. A atrazina, por exemplo, que é um herbicida, está proibida desde 2007 na UE, mas, em contrapartida, continua a ser utilizada no Brasil, daí o ceticismo da CEPM.

Um acordo “mutuamente vantajoso”, diz a UE

A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e os presidentes de quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) dizem que este “acordo de parceria inovador” é “mutuamente vantajoso” e que “trará benefícios significativos para os consumidores e as empresas de ambas as partes”.

“Centrámo-nos na equidade e no benefício mútuo. Ouvimos as preocupações dos agricultores europeus e agimos em conformidade, pelo que este acordo inclui salvaguardas sólidas para proteger os seus meios de subsistência”, declarou Ursula von der Leyen a 6 de dezembro, em Montevideu, após a assinatura do acordo com os presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

O acordo de comércio livre da UE com o Mercado Comum do Sul abrangerá múltiplos setores da economia, do automóvel à maquinaria, têxteis, indústrias metalúrgica, química, farmacêutica e alimentar. Mas, em especial, a agricultura e, em particular o setor pecuário - carne de bovino, porco e aves de capoeira - são os que mais impactos deverão sentir.

Plantação de milho
A UE produz, em média, 64 milhões de toneladas de milho por ano, mas as importações têm vindo a aumentar. Em 2023, as importações foram na ordem das 19,5 milhões de toneladas.

As manifestações têm-se sucedido em vários países e os agricultores europeus têm saído às ruas em desacordo com este acordo comercial UE-Mercosul. Na última semana, milhares de produtores agrícolas estiveram nas ruas de Bruxelas para se manifestarem, a pedido das federações de agricultores europeus Coordenação Europeia Via Campesina e FUGEA.

“O acordo UE-Mercosul é muito desfavorável para a Europa. Pode ser bom para a venda de automóveis, mas vai ser muito mau para a agricultura", disse Pierre Maison, membro da Coordenação Europeia Via Campesina, citado pela Euronews.

Pierre Maison não tem dúvidas: este acordo de livre comércio "vai matar de novo os pequenos produtores, porque vai fazer baixar os preços e, para além disso, vamos importar carne de vaca, por exemplo, que já produzimos nos nossos países".