A peregrinação através de um rio histórico, agora praticamente seco
O rio Jordão e os seus afluentes apresentam níveis de água cada vez mais baixos à medida que passam por Al-Maghtas, o sítio onde, segundo a Bíblia, ocorreu o batismo de Jesus Cristo. O que está a acontecer aqui?
O local do batismo de Jesus Cristo, também conhecido como Al-Maghtas (imersão/batismo em árabe), está situado num enclave na fronteira entre a Jordânia e a Cisjordânia, de enorme significado político, religioso e geoestratégico, tendo-se tornado em 2015 Património Mundial da UNESCO.
Após a pandemia, o afluxo de turistas regressou a este local, um dos mais importantes do país. Até agora, este ano, mais de 10.000 peregrinos visitaram o local (só do lado jordano), mais 400% do que os visitantes do ano passado.
Há também um aumento no número de peregrinos que vêm para o batismo do outro lado da fronteira, num local conhecido como Qasr el Yahud, na Cisjordânia, gerido pelo Ministério do Turismo israelita.
Enquanto, por um lado, um grupo de peregrinos se prepara para o seu batismo, no lado oriental do rio na Cisjordânia, a margem oposta parece estar completamente seca.
Nos últimos anos, este local histórico tem visto o caudal do rio cair drasticamente para níveis preocupantes.
As explicações da seca na Jordânia são o aquecimento global, a má gestão dos recursos hídricos da região, por parte das administrações e o conflito israelo-árabe. Estes três fatores estão a causar uma seca cada vez mais aguda na área, bem como no Mar Morto e no Vale do Jordão.
Uma questão geopolítica
O ano passado, as reservas de água da Jordânia caíram para níveis recorde devido a uma escassez de chuva, com um armazenamento 80 milhões de metros cúbicos a menos do que nos anos anteriores.
A luta palestino-israelita pela água do rio, através de sistemas de barragens e desvios de rios, atingiu duramente a Jordânia. Hoje em dia, apenas uma pequena parte do fluxo que historicamente atingiu o Mar Morto ainda está viva.
Um dos afluentes do rio Jordão está quase seco. A área em que Al-Maghtas está localizada é uma das reservas naturais mais importantes da Jordânia. Conhecido como o Vale do Jordão, situa-se a meio caminho entre o Mar da Galileia e o Mar Morto, ambos de enorme significado histórico, religioso e económico.
De acordo com Ibrahim Alkilani, coordenador do projeto da ONG EcoPeace Middle East, a formação do vale é única na medida em que, por um lado, atinge 400 metros abaixo do nível do mar, enquanto as terras altas a leste do vale atingem 1.200 metros acima do nível do mar, onde se encontram as cidades de Amã, Irbid e Sal.
De acordo com Alkilani, esta geologia dá ao vale um clima especial e torna-o perfeito para as práticas agrícolas, razão pela qual é considerado o principal cabaz alimentar da Jordânia. Contudo, o que antes era uma terra exuberante com rica biodiversidade e condições de vida é agora árido, poluído e mal gerido, com más práticas como o sobrepastoreio e a agricultura intensiva.
O conflito
Associações e ONGs, como a Eco Peace Middle East, que reúne cientistas e ativistas do Egipto, Jordânia, Israel e Palestina, estão a tentar lutar para preservar o ambiente e os recursos naturais desta área.
O conflito sobre os recursos hídricos data de 1948, quando a guerra israelo-árabe começou, e agravou-se em 1967, quando Israel começou a ocupar territórios palestinianos e a tomar o controlo das águas do rio. Hoje, apesar das tentativas para encontrar uma solução, o conflito ainda está em curso.
Atualmente, as tensões entre a Palestina e Israel permanecem, mas os gestores da Al-Maghtas acreditam que este local deve simbolizar o respeito e a paz entre as três religiões da região: cristianismo, islamismo e judaísmo.