A Meteored despede-se de Eugenia Kalnay, a melhor meteorologista do mundo

Eugenia Kalnay estudou na Universidade de Buenos Aires, mas após a noite dos bastões longos, estabeleceu-se nos Estados Unidos em 1966. As suas descobertas tornaram possíveis os modelos meteorológicos tal como os conhecemos hoje. Foi-se uma das maiores meteorologistas do mundo, e era argentina.

Eugenia Kalnay
Eugenia Kalnay deu grandes contribuições para a modelação atmosférica. Embora tenha feito a sua carreira nos Estados Unidos, manteve sempre fortes laços com a Argentina.

Eugenia Kalnay faleceu esta semana. O seu falecimento é uma notícia muito triste para a comunidade meteorológica, e nós na Meteored queremos recordar a sua carreira e o seu papel na meteorologia tal como a conhecemos hoje. Em primeiro lugar, é importante contar os pormenores da sua carreira. Eugenia estudou meteorologia na Universidade de Buenos Aires, uma universidade pública. Licenciou-se na Faculdade de Ciências Exatas e Naturais em 1965. Um ano depois, durante a ditadura de Juan Carlos Onganía, e após a trágica noite dos bastões longos, decidiu deixar a Argentina.

“Vivemos numa sociedade muito desigual que consome muito mais do que a Natureza pode suportar. Ainda é possível sobreviver e viver bem se houver políticas que abordem as causas do colapso social, como a desigualdade e o consumo excessivo". (Eugenia Kalnay)

Como salientou Celeste Saulo, secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM), num post nas redes sociais, “nunca deixou de reconhecer o privilégio de ter sido educada na Universidade de Buenos Aires, uma universidade pública e gratuita”. A educação e a ciência são instrumentos de transformação”. Eugenia Kalnay foi a primeira mulher a obter um doutoramento em meteorologia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Radicada nos EUA, trabalhou na NASA e foi diretora do Centro de Modelação Ambiental (EMC) da Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos EUA (NOAA).

Um dos pontos altos da sua carreira profissional foi em 2009, quando a OMM a distinguiu como “a melhor meteorologista do mundo” pelos seus contributos no domínio da climatologia. A notícia teve relevância global, ao ponto de meios de comunicação como a BBC lhe terem dedicado espaço.

Visto em perspetiva, o seu contributo foi fundamental para a previsão meteorológica tal como a conhecemos hoje. Grande parte do seu trabalho girava em torno da modelação atmosférica utilizada para a previsão operacional. O seu trabalho deu contributos essenciais para a previsão por conjuntos, que hoje em dia é essencial para o trabalho daqueles que desenvolvem previsões meteorológicas.

A sua visão da realidade

O autor deste artigo teve a oportunidade de a visitar na sua casa em Greenbelt, Massachusetts, o seu lugar no mundo. Era uma pessoa aberta, solidária e muito apaixonada pelo que fazia. Nesse período, Eugenia colaborou num extenso artigo publicado na revista We Are Climate. As questões que a preocupavam aparecem aí. Por exemplo, o facto de os seres humanos estarem numa corrida que ela considerava insustentável ao longo do tempo, com grandes repercussões no sistema atmosférico.

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Salientou que, desde 2010, a Humanidade consumiu uma vez e meia os recursos do planeta. Quando questionada sobre que percentagem das alterações climáticas pode ser associada ao comportamento humano, Eugenia respondeu: "Os fenómenos meteorológicos extremos, como uma tempestade de neve ou uma onda de calor recorde, podem ser produzidos tanto pela variabilidade natural como pelo impacto cumulativo dos seres humanos, pelo que não podem ser totalmente atribuídos aos seres humanos".

Mas acrescentou: “Os recordes individuais de fenómenos meteorológicos podem dever-se em metade ao Homem e em metade à variabilidade natural. Mas a tendência das médias globais, que mostram a temperatura média global desde 1880, só pode ser atribuída ao impacte humano, porque são mudanças muito mais rápidas do que qualquer alteração climática registada anteriormente. Por isso, quando se trata de alterações climáticas em grande escala, diria que essencialmente 100% se devem aos seres humanos”.

Uma cientista que nunca esqueceu a Argentina

Eugenia Kalnay leccionou e fez investigação na Universidade de Oklahoma e na Universidade de Maryland, onde dirigiu o Departamento de Ciências Atmosféricas e Oceânicas. Conseguiu desenvolver técnicas que permitiram aos modelos meteorológicos gerar bons resultados para previsões de vários dias. Mas estava sempre em contacto com a Argentina. Falar com ela levava-a inexoravelmente a analisar o que se passava no país e, sobretudo, no domínio da ciência.

Manteve-se sempre em contacto com a Universidade de Buenos Aires. Orientou teses de investigadores e leccionou cursos. Também esteve envolvida em estudos sobre a precipitação e as mudanças de temperatura na Argentina, juntamente com outros colegas. Outro momento importante da sua carreira ocorreu em 30 de outubro de 2008, quando a Faculdade de Ciências Exatas e Naturais lhe concedeu o título de Doutora Honoris Causa.

Muitos dos seus trabalhos ajudam atualmente muitos outros investigadores a melhorar o nosso conhecimento da atmosfera. Eugenia não era apenas mais uma meteorologista, porque acima de tudo era uma grande pessoa. É por esta razão, e pela sua contribuição para a ciência, que as redes sociais de hoje estão cheias de elogios em muitas línguas. Da Meteored, despedimo-nos de Eugenia, despedimo-nos da melhor meteorologista do mundo, mas recordá-la-emos em cada previsão que fizermos, em cada carta que analisarmos, porque os seus feitos estarão sempre presentes.