2023, o ano em que todos os tipos de recordes climáticos foram batidos
A dois meses do fim do ano já é possível afiançar que em 2023 se bateram uma série extraordinária de recordes no que ao clima diz respeito. Veja os pormenores neste artigo!
Durante várias décadas fomos lendo e ouvindo vários especialistas alertar-nos consistentemente para um futuro marcado por condições climáticas extremas, consequência da escalada das temperaturas globais causada pelas atividades humanas em curso.
Hoje, estamos a assistir à manifestação dessas previsões, à medida que uma sucessão alarmante e sem precedentes de recordes climáticos são batidos, provocando o desenrolar de cenas de sofrimento profundamente angustiantes. Os dados aqui plasmados são de um importante relatório publicado na revista BioScience.
Este ano, ondas de calor excecionais varreram o mundo e levaram as temperaturas a bater recordes. Os oceanos atingiram temperaturas historicamente quentes, com a superfície do mar global e do Atlântico Norte a bater recordes e com níveis baixos, sem precedentes, de gelo marinho em torno da Antártida.
Os mais impactantes recordes
As temperaturas médias diárias globais nunca haviam ultrapassado de uma forma tão consistente os 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais antes de 2000, tendo acontecido, apenas, ocasionalmente. Mas, 2023 já registou 38 dias com temperaturas médias globais acima de 1,5 °C, até 12 de setembro, mais do que em qualquer outro ano. A tendência é de aumento.
A 7 de julho de 2023, o gelo marinho da Antártida atingiu a sua extensão relativa diária mais baixa desde o advento dos dados de satélite, 2,67 milhões de quilómetros quadrados, abaixo da média de 1991-2023.
Além disso, o período de junho a agosto deste ano foi o mais quente alguma vez registado e, no início de julho, testemunhámos a temperatura média diária da superfície global mais elevada alguma vez medida, possivelmente a temperatura mais quente da Terra nos últimos 100.000 anos.
Estes são claros sinais de que estamos a empurrar os nossos sistemas planetários para uma instabilidade perigosa. Mas, infelizmente, as más e tristes notícias não se ficam por aqui.
As emissões de carbono continuaram a aumentar e os combustíveis fósseis continuam a dominar, com o consumo anual de carvão a atingir um máximo quase histórico de 161,5 exajoules, em 2022. Embora o consumo de energia renovável tenha crescido uns robustos 17% entre 2021 e 2022, impulsionado, principalmente, pela resposta europeia à guerra entre Rússia e Ucrânia, permanece cerca de 15 vezes inferior ao consumo de energia de combustíveis fósseis.
Entre 2021 e 2022, a taxa global de perda de cobertura arbórea diminuiu 9,7%, para 22,8 milhões de hectares por ano. Ao mesmo tempo, a taxa de perda da floresta amazónica brasileira diminuiu 11,3%, para 1,16 milhão de hectares por ano. Ainda assim, não é suficiente para acabar e reverter a desflorestação até 2030!
As florestas estão cada vez mais ameaçadas por poderosos ciclos de retorno, que envolvem processos como danos causados por insetos, morte e incêndios florestais.
No Canadá, os incêndios florestais que afetaram severamente aquele país da América do Norte, queimaram 16,6 milhões de hectares até 13 de setembro, o que resultou em emissões de mais de uma gigatonelada de dióxido de carbono. Para que tenhamos dimensão da tragédia, em 2021 haviam sido emitidos, aproximadamente, 0,67 gigatoneladas naquele país.
Não ficamos por aqui. Com base nas estatísticas acumuladas no ano de 2023, três importantes gases com efeito de estufa (dióxido de carbono, metano e óxido nitroso) estão em níveis recorde. A concentração média global de dióxido de carbono é agora de, aproximadamente, 420 partes por milhão, muito acima do limite planetário proposto de 350 partes por milhão.
A acidez dos oceanos, a espessura das calotas polares e a massa de gelo da Gronelândia caíram para mínimos recordes, enquanto o aumento do nível do mar e as temperaturas dos mares e oceanos subiram para níveis nunca antes vistos. Este último é particularmente preocupante, uma vez que pode ter muitos impactos graves, incluindo a perda de vida marinha, a morte de recifes de coral devido ao branqueamento e um aumento na intensidade de grandes tempestades tropicais.
Este "maravilhoso" cocktail terá contribuído para uma série de grandes eventos climáticos extremos e catástrofes. Vários destes acontecimentos demonstram como os extremos climáticos estão a ameaçar áreas mais vastas que normalmente não têm sido propensas a tais extremos.
São exemplos, as graves inundações no norte da China, perto de Pequim, e que mataram pelo menos 33 pessoas, as inundações repentinas e deslizamentos de terra mortais no norte da Índia, as ondas de calor recorde nos Estados Unidos, e uma tempestade mediterrânica excecionalmente intensa que matou milhares de pessoas, principalmente na Líbia.
À beira de um colapso social global
Até ao final deste século, estima-se que 3 a 6 mil milhões de indivíduos, aproximadamente entre um terço a metade da população mundial, possam viver em regiões inabitáveis, sujeitos ao calor extremo, à disponibilidade limitada de alimentos e a taxas de mortalidade elevadas, efeitos das alterações climáticas.
É por isso, fundamental que se alterem comportamentos, para que consigamos mitigar as consequências dos erros já cometidos e nos adaptemos a esta nova realidade de vivência na nossa casa comum, o planeta Terra.
Essas alterações passam por mudanças no comportamento das economias, dissociando o crescimento económico de impactos ambientais prejudiciais. Principalmente daqueles que mais têm. Em 2019, os 10% principais emissores foram responsáveis por 48% das emissões globais.
Passam por mudanças no comportamento da indústria, principalmente a indústria química, e na sua dependência de combustíveis fósseis. O carvão é responsável por mais de 80% do dióxido de carbono adicionado à atmosfera desde 1870 e por cerca de 40% das atuais emissões de dióxido de carbono, e em 2023, o seu consumo global esteve próximo de níveis históricos.
O impactos das alterações climáticas são e serão sempre mais visíveis naqueles que menos têm. Para que se alcance alguma justiça socioeconómica e o bem-estar humano universal, é crucial que se lute por uma convergência no consumo per capita de recursos e de energia em todo o mundo.
Em 2022, estima-se que 735 milhões de pessoas enfrentaram fome crónica, um aumento de cerca de 122 milhões, desde 2019. Isto deve-se aos extremos climáticos, que fizeram reduzir a extensão do crescimento da produtividade agrícola global, a crises económicas e a conflitos armados. São, por isso, necessários esforços centrados na adaptação para melhorar a resiliência das culturas e a resistência ao calor, à seca e a outros fatores de stress climático.
Limitar as emissões de gases com efeito de estufa deve ser outros dos desígnios. Devem encetar-se esforços para a eliminação das emissões provenientes dos combustíveis fósseis e das alterações na utilização dos solos e para o aumento do sequestro de carbono com soluções climáticas baseadas na natureza.
Devemos, sobretudo, mudar a nossa perspetiva coletiva sobre a emergência climática, deixando que esta deixe de ser uma mera questão ambiental isolada, para que a vejamos como uma ameaça sistémica e existencial às nossas vidas. Enquanto a humanidade continuar a exercer uma pressão extrema sobre a Terra, quaisquer tentativas de soluções servirão, unicamente, para redistribuir essa pressão.
Assim, só é possível com a redução do consumo excessivo de recursos, reduzindo, reutilizando e reciclando resíduos numa economia mais circular. Só é possível com justiça climática e com a distribuição justa dos custos e benefícios da ação climática, especialmente para as comunidades vulneráveis. Só é possível com uma transformação da economia global e com uma distribuição mais equitativa dos recursos. Que se haja já e agora, é o momento de fazer a diferença!