Um novo predador de emboscada, gigante, mas extinto, foi encontrado no vale do rio Ugab, na Namíbia

Um novo predador de emboscada, gigante e extinto, foi descoberto na Namíbia. O adulto de 3 metros de comprimento é um dos mais antigos antepassados de todos os animais modernos.

Gaiasia Jennyae
Reconstrução artística de Gaiasia Jennyae. Fonte: Gabriel Lio.

Uma equipa internacional de cientistas anunciou a descoberta de um antigo tetrápode basal da Namíbia num artigo publicado na revista Nature. Um tetrápode basal é um vertebrado primitivo de quatro patas que terá vivido durante a transição da água para a terra. Estes animais antigos e carnívoros são alguns dos primeiros antepassados dos animais modernos.

O fóssil adulto está quase completo e mede 3 metros de comprimento. Foi descoberto no vale do rio Ugab, em Damaraland, e é o maior jamais encontrado. A descoberta deste espécime põe em causa a ideia anterior de que estes primeiros tetrápodes, que viveram há cerca de 280 milhões de anos, só se encontravam no Hemisfério Norte.

Descoberta quase completa

Os investigadores estavam a terminar o trabalho de campo na Namíbia quando avistaram algo espetacular. "O esqueleto quase completo foi preservado em pedra de lama de um antigo lago de água doce. À medida que os tecidos moles se decompunham, formavam-se gases que faziam com que o carbonato de cálcio se cristalizasse à volta dos ossos, criando uma crosta dura que os protegia de serem esmagados à medida que eram enterrados mais profundamente", disse o Prof. Roger Smith, Professor Distinto do Instituto de Estudos Evolucionários de Wits e Investigador Associado Emérito dos Museus Iziko, na Cidade do Cabo.

Claudia Marsicano, da Universidade de Buenos Aires, Argentina, descreveu o significado da descoberta do fóssil. "Assim que vi este enorme animal, soube que se tratava de uma espécie diferente. Não há registo de tetrápodes basais gigantes durante a transição Carbonífero-Permiano (há cerca de 299 milhões de anos) em qualquer parte do mundo, e muito menos nos continentes meridionais que formavam o Gondwana. O que me chamou a atenção a seguir foi a estrutura da parte da frente do crânio, que estava a sair do chão. Mostrava grandes presas invulgarmente entrelaçadas".

A recolha do fóssil não foi assim tão simples. "O esqueleto já se tinha desprendido da rocha, pelo que não foi necessário escavar, mas toda a equipa passou horas à procura de fragmentos que tivessem caído do bloco do crânio e se tivessem deslocado para baixo", disse Sibusiso Mtungata, um técnico de fósseis do Museu Iziko. O espécime foi levado para o Museu Iziko da África do Sul, na Cidade do Cabo, para ser preparado no Laboratório de Fósseis do Karoo, o que demorou dois anos.

"A preparação mecânica foi um desafio, porque era demasiado grande para ser analisado por TAC, por isso não sabia o que esperar - especialmente no palato, onde havia dentes de todos os tamanhos por todo o lado. E havia até 10 cm de rocha à volta das vértebras que tinham de ser perfuradas, criando tanto pó vermelho que tivemos de trazer um extrator especial".

Dentes curvados para trás

Depois de preparar o fóssil, revelou um esqueleto com uma cabeça grande e achatada, com padrões invulgares e uma estrutura única do palato. Tinha dentes grandes e curvados para trás nos maxilares superior e inferior, algo nunca antes visto. Inicialmente, pensaram que o fóssil era um grande anfíbio, mas após algum estudo, revelaram que o crânio tinha características que indicavam tratar-se de um animal de quatro patas muito mais antigo.

"Batizámos a nova espécie de Gaiasia Jennyae. "Gaiasia" é uma homenagem a Gaias, uma nascente desértica próxima. "Jennyae" homenageia a Professora Jennifer Clack, especialista na evolução dos primeiros tetrápodes, que infelizmente faleceu em 2020", afirmaram os autores.

O estudo sugere fortemente que os primeiros tetrápodes estavam bem estabelecidos nas regiões frias e temperadas do Gondwana, já na transição Carbonífero-Permiano.

"Esta descoberta desafia as crenças anteriores sobre a distribuição e evolução dos primeiros tetrápodes, que se baseavam maioritariamente em fósseis do hemisfério norte", disse a Prof.ª Marsicano. "A nossa investigação mostra uma fauna do início do Permiano bem estabelecida, com Gaiasia como predador de topo, em rochas do Gondwana de alta latitude, atualmente localizado no centro da Namíbia. Isto desafia as ideias anteriores e prova que a história inicial dos tetrápodes na Pangeia durante o Paleozoico foi muito mais complexa do que pensávamos."

O espécime será brevemente exposto no Museu Geológico da Namíbia, situado em Windhoek.

Referência da notícia:

Marsicano, C.A., Pardo, J.D., Smith, R.M.H. et al. Giant stem tetrapod was apex predator in Gondwanan late Palaeozoic ice age. Nature (2024).